sábado, 18 de abril de 2015

JOGUEM A ÂNCORA PARA O FUNDO DO MAR

Observando os níveis de desespero em que vive a atual sociedade mundial, facilmente compreendemos que houve um sério desvio do uso da razão no curso do desenvolvimento da humanidade. A palavra razão vem do grego logos, que por sua vez vem do verbo legein, que se encontra no campo das cotidianas atividades matemáticas. Posteriormente no latim, encontramos a palavra ratio, originada do verbo reor, que significava também no dia a dia dos filhos de Lácio, as suas práticas matemáticas. A razão já nasceu desde sua origem, afastada por completo da doxa, ou mera opinião; como atividade do intelecto em contraposição à alteridade dos sentimentos emotivos e cegos; da conquista do conhecimento através de um método científico e não pela ação simples da fé; como consciência que tem consciência de si e domínio deste campo, indiferente ao fluídico estado do êxtase místico, mas vamos ver até onde está a sua distinta realidade. Seus fundamentos obedecem a princípios bem estruturados como: a)princípio da identidade, onde afirmo e comprovo que X = X, ou se, por exemplo, cheguei à conclusão de que o círculo delimitado pela circunferência é uma forma geométrica tal como é, com 360º e que não há outra forma geométrica assim que não seja o próprio círculo; b)princípio da não-contradição, ou seja, se A = A, ele não pode ser ao mesmo tempo igual e diferente de A, ou em palavras mais simples que o hexágono tenha e não tenha seis lados e seis ângulos, que são c Ooisas que fogem ao pensamento; c)princípio do terceiro excluído, por exemplo, B é X ou é Z, sem que haja outra instância, pois apenas uma das alternativas é a verdadeira; ou aquele carro lá longe no estacionamento é seu ou é de outra pessoa; d)princípio da razão suficiente ou princípio da causalidade, pois a razão encontra razão para tudo que existe, uma vez que tudo está entrelaçado numa rede de relações. Mas será que a razão está realmente tão bem assim fundamentada? Seria bom encontrarmos uma dedução mais segura para esta dúvida, pois o teorema acima possui sérias rachaduras no corpo do seu edifício. Já dizia Blaise Pascal: “o coração tem razões que a própria razão desconhece.” A partir de meados do século XIX muitos avanços do pensamento científico provaram o enfraquecimento desta tese sobre a razão. A própria questão atômica mesmo, prova a fraqueza do terceiro excluído, pois a teoria atômica também se explica pela teoria das cordas e a física no campo da óptica explica a luz tanto por ondas luminosas quanto por partículas descontínuas. Voltando à questão atômica é totalmente impossível prever a complexidade e o efeito dos movimentos atômicos, pois podem ser tanto de uma forma como de outra forma. Como a ciência encaixa sempre uma teoria diante de cada realidade a descoberto, fala-se em um novo princípio, ou seja, princípio da indeterminação, onde a razão só adquire suficiência quando abarca fenômenos macros, mas não alcança solidez quando se trata de objetos além da microscopicidade do mundo. Outro golpe na razão vem da teoria da relatividade einsteiniana, o que nos deixa órfãos de validez ôntica, se pensar que o valor de PI pode não ser o mesmo em outra galáxia e assim por diante. Assim também no campo da linguagem eu posso dizer que o Japão está agora vivendo ao meio dia e à meia noite, sendo que ele está num planeta nestas condições. Também no estudo de outros povos e culturas, não é possível mantermos este procedimento europeu sobre a razão. Por exemplo, se estudarmos a estrutura da língua e da religião dos incas, astecas, toltecas, maias, tupis, guaranis, etc. perceberemos que não tem muito a perder para a estrutura linguística dos antigos gregos por exemplo. Nisto entra também a questão dos mitos e não podemos afirmar que nossos mitos indígenas são atrasados ou fazem parte do pensamento sintético do homem da idade da pedra, pois eles não tem nada a perder para a explicação teológica do cosmos, que encontramos a partir das primeiras páginas de nossos livros religiosos. Quem assistiu ao recente filme AVATAR compreenderá a insignificância do culturecentrismo no choque entre povos, onde um detém um maior poder tecnocrático, no caso o povo invasor. Outro poderoso golpe no seio da razão, foi a ideia da psicanálise iluminada por Freud. Violenta pancada que abala os alicerces da afirmativa de Descartes: Cogito ergo sum, ou penso logo existo, quiçá minha existência seja à medida de meu pensamento. Ideia talvez mal digerida pelo nobre René Descartes, quando no colégio jesuíta de La Flèche, no Anjou, aprendeu filosofia e teologia, segundo a Ratio Studiorum daquela época; ao se debruçar inutilmente sobre os fragmentos do poema de Parmênides sobre o caminho do ser e o caminho do não-ser, ou do nada, em que induz que pensar e ser se mesclam na mesma identidade. Freud criou um sistema metapsicológico teórico uma espécie de topografia hipotética do aparelho psíquico, com suas vibrações específicas delimitadas em consciente, pré-consciente e inconsciente, onde estão localizados o id, o ego e o superego, que não cabe neste momento explicá-los, mas que basta pela sua validade e autenticidade provar a inércia do pensamento cartesiano sobre a razão. O inconsciente não é o oposto do consciente, mas a maior parte de nosso ser do qual o consciente é apenas uma ilha no oceano do inconsciente, parte esta da qual possuímos sequer conhecimento. O inconsciente não tem cronologia, está além do tempo e de espaço; está ausente do conceito de contradição e duas coisas contrárias podem se reafirmar categoricamente e simultaneamente; possui uma linguagem simbólica; equaciona valores tanto para a realidade interna como externa e obedece ao predomínio do princípio do prazer. Então pensar que a razão está tão a par de nós é de uma infantilidade boçal, uma vez que não temos todo o conhecimento de nós como pensamos, inclusive antropologicamente e historicamente. Finalmente será difícil sustentar que nossa sociedade é tão racional como se imagina e doloroso saber que classificamos de irracionais a outras sociedades, principalmente aqui no Brasil onde destruímos as culturas arcaicas e escravizamos a cultura negra. A razão encontrou em si mesmo uma artimanha para encobrir a realidade, para esquartejar a natureza, para explorar o trabalhador, para justificar a exploração do outro, para expandir a alienação. Ela foi bem fundo no reino da linguagem, da tecnologia, das ciências, do afastamento do homem do objeto, como se o homem fosse uma coisa e a natureza outra coisa diferente, dentro do campo cartesiano do RES COGITANS versus RES EXTENSA, como se houvesse uma dicotomia diaspórica entre alma e corpo, entre ser pensante e formas extensas. Assim, justifico como queria demonstrar no enunciado desvio da razão.

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